Esse artigo é a continuação da série sobre Valuation, cuja introdução apresentamos na última semana. Se não leu, corre lá e dá uma lida rápida em 3 minutinhos para pegar o contexto.
Mas antes de começar o artigo desta semana quero fazer mais uma recomendação.
No final do último ano me juntei à Lyfe, como sócio responsável por programas corporativos. Nossa visão é aumentar a performance das organizações através do desenvolvimento humano das suas pessoas.
Para explicar nosso ponto de vista em maior profundidade lançamos o Substack Work & Lyfe e no último artigo discutimos porque o bem-estar dos colaboradores não garante um bom desempenho para as organizações. O artigo está muito bom. Recomendo que leia e assine!
Agora vamos ao tema de hoje!
Pode parecer intuitivo que uma empresa que capta um round seed, depois um série A e assim sucessivamente está carimbando um valuation mínimo para sua saída numa fusão ou aquisição em cada um destes momentos. Será que isso é verdade?
A resposta curta e lógica é não. Mas a verdade é um espectro de perspectivas sobre esse assunto bem mais complexo do que essa resposta binária. Nenhuma empresa é avaliada pelo valor levantado de investidores nem pelo valuation dos seus rounds anteriores. Mas vale entender um pouco melhor o que costuma acontecer nessa dinâmica.
Valuations em Investimentos de Risco
Quando uma empresa, normalmente uma startup, levanta dinheiro de investidores, ela está vendendo um pouco de sonho e um pouco de realidade. A depender do estágio a proporção pode ser maior de sonho, como no caso de uma startup que tem basicamente uma apresentação. Mesmo esta tem algo de realidade: um grupo de fundadores com credibilidade, por exemplo.
Ao longo da sua trajetória, os rounds consecutivos precisam ser crescentemente baseados na realidade. Métricas de tração, crescimento, receita e margem. Uma startup no chamado “VC track”, essa trajetória insana de levantar capital constantemente para crescer o mais rápido possível, não é cobrada por ter lucro. Pelo contrário, ela deve reinvestir todo o lucro no seu motor de crescimento. Mas isso não significa que ela não precise mostrar que tem um modelo de negócio saudável, com uma margem bruta relevante.
A porção de “venda” do sonho em um estágio avançado fica por conta da crença dos investidores de que essa empresa pode se tornar realmente lucrativa um dia. Sim, mesmo que a empresa abra capital dizendo que não vai dar lucro, como fez a Amazon em 1997, um dia ela vai ser cobrada por isso e precisará se tornar lucrativa, como aconteceu com a própria gigante do E-commerce.
Eu expliquei este conceito mais à fundo na Matemágica do Empreendedorismo, um artigo que guardo no coração e que vale a pena ler.
A conclusão importante sobre esse ciclo de crescimento levantando capital é: o que empurra os valuations para cima é o crescimento das métricas de negócio, como receita, número de usuários etc.
É claro, ainda mais que no M&A, levantar capital de risco é um jogo extremamente psicológico, de construção de desejo de compra (de investimento) e de FOMO (fear of missing out). Por isso uma parte relevante do valor construído para a empresa neste jogo está em manipular percepções. Em especial quando o mercado está aquecido. Quando não está, tem outra coisa que costuma acontecer.
Down rounds
Quando a oferta de capital se reduz, o mercado entra em um momento de baixa. Fica mais difícil levantar e por conta dessa dinâmica, os valuations caem. Depois do frenesi de fundraising que vivemos em 2021, 2022 foi um destes momentos, que se estende até hoje na maioria dos setores. E é aí que a manipulação psicológica que era muito bem vinda e efetiva para o seu último round pode virar um grande problema. Você precisa levantar mais dinheiro, mas não tem muita gente disposta a investir. E quem está, não está disposto a pagar nem o valuation investido no último round. O que acontece?
Você precisa aceitar. A depender das cláusulas negociadas nos rounds anteriores, isso pode dar direito aos investidores se protegerem dessa diluição, o que vai diluir os fundadores excessivamente, o que vai doer. Se não for o caso, isso cria um desconforto horrível para quem apostou antes na empresa. A diminuição de valuation abaixa a moral dos fundadores, dos colaboradores e prejudica a imagem da empresa. Se é o que precisa ser feito para sobreviver, que seja, mesmo com esse elevado custo psicológico.
Down exits
Adoro inventar expressões. Essa acabou de nascer, exatamente para se encaixar entre a explicação de um down round e a de porque o valuation do seu último round influencia sim o seu exit.
Vamos fazer o paralelo: se ao invés de levantar capital, você se vê obrigado a diminuir o valuation em relação ao seu último round na venda da empresa, não está livre do custo psicológico.
O conflito com os seus investidores que estavam esperando um retorno maior pode ser ainda mais tenso, afinal, o exit é o ponto final. As proteções a esses mesmos investidores podem ter efeitos semelhantes. Só que a diluição dos founders implica em colocarem menos dinheiro no bolso e saírem menos motivados.
Se o comprador inclui condições de earn-out para esses fundadores continuarem executando o negócio, esperam ter eles pilhados, com a faca nos dentes.
Por fim, seus colaboradores também sentirão o impacto moral de uma virada para baixo e os que tinham stock options podem também sair insatisfeitos em relação às suas expectativas.
Essas forças psicológicas desempenham um papel importante na venda da sua empresa e no valuation oferecido por ela.
A Força Psicológica do Valuation do Último Round
Vamos dissecar essas forças.
O carimbo da expectativa
Não dá para negar, se você levanta um round com um valuation de X, todos os atores que mencionamos anteriormente automaticamente esperam uma saída por um valor maior que esse. É da natureza humana querer sempre mais e não se acostumar com a escassez. Esse é o elemento fundamental por trás das outras forças.
O efeito “muita areia para o meu caminhão”
Sua empresa pode estar morrendo e você pode estar disposto a vender ela por metade do valuation anterior. Mas a não ser que você diga isso e soe desesperado para o seu potencial comprador, ele não vai saber disso. E se você já nos acompanha a algum tempo por aqui e conhece um pouco da MVP journey, sabe que não pode fazer isso. Que precisa construir percepção de valor para a empresa.
Então seu comprador em potencial pode nem avançar com o deal por receio de fazer uma proposta ofensiva. Afinal ele também está influenciado pelo carimbo da expectativa.
Não estou inventando isso. É um relato pessoal, de deals que deixei de fazer como head de M&A da TOTVS. Uma das empresas que acabamos não adquirindo pelo efeito #muitaareiapromeucaminhão abriu capital em uma bolsa de valores americana anos depois. Mas no momento em que conversávamos estava prestes a quebrar e como hábeis vendedores, os fundadores não nos deixaram saber.
O efeito “não vale o que custa”
Essa é uma outra consequência do carimbo da expectativa. O comprador olha para a sua empresa como se ela tivesse uma etiqueta de preço (de preço mínimo nesse caso), mas quando entra a fundo para olhar as métricas, não encontra um negócio com valor condizente.
Isso afasta o comprador, pois cria um sentimento de que está sob efeito de propaganda enganosa. Caso ele não se abale por este efeito e resolva prosseguir, ainda assim dificilmente vai se sentir comprando um produto premium com uma condição exclusiva. É mais provável que se sinta comprando uma peça promocional de final de coleção. Sem direito a devolução. E isso vai definir muito do tom da negociação e da sua vida após o deal.
O que vem pela frente
É muito interessante e divertido analisar essa dinâmica negocial pelo aspecto psicológico. Mas até agora não fomos muito práticos e esse artigo já está ficando longo. Então vamos fazer uma pequena conclusão temporária e falar sobre o que vem pela frente.
O valuation do seu último round desempenha sim um papel em definir o valor da sua empresa na saída. Estes nomes divertidos trazem por trás vieses cognitivos cientificamente comprovados, como ancoragem, priming, aversão à perda, endowment effect entre outros. Não quero ficar muito científico aqui, pelo contrário. Por isso no próximo artigo vamos para os efeitos práticos do último round no valuation do seu exit e o que você pode fazer sobre isso.
Nos vemos na próxima semana.