No mês passado, o Google anunciou a contratação dos fundadores da Character.ai, Noam Shazeer e Daniel de Freitas, ambos ex-Googlers. O movimento chamou atenção por alguns motivos.
Um deles é que, além da contratação as empresas assinaram um contrato de licenciamento milionário. O outro é que esse não foi o primeiro movimento com esta cara na arena da IA. Nos últimos meses as big techs Microsoft e Amazon também anunciaram negócios similares. A razão? Estas empresas concentram muito poder de mercado e recursos que as colocam em uma posição extremamente privilegiada na corrida da IA. Movimentos de aquisições de startups que lhes permitam acelerar ainda mais neste território as colocam nos holofotes dos orgãos reguladores.
Contratar pessoas chave para isso, portanto é um movimento mais seguro. Pelo menos seria, se fosse uma mera contratação.
Neste artigo vamos entender como e porque estes movimentos mais recentes foram bem além de acqui-hires tradicionais.
Detalhe dos movimentos recentes
Vamos entender um pouco mais no detalhe os deals recentes.
Google + Character.ai
O Google re-contratou em Agosto de 2024 os dois fundadores da Character.ai junto com um "pequeno" time chave cujo número de membros não foi divulgado.
A startup já havia levantado 197 milhões de dólares chegando ao status de unicórnio (US$ 1 bi de valuation). Negociação inclui a compra da participação dos investidores na startup por um valuation de US$ 2,5 bilhões, mas os valores totais da transação não foram divulgados para a mídia.
Microsoft + Inflection
A Microsoft pagou US$ 650 milhões à Inflection por um acordo de licenciamento para oferecer seus modelos através da Azure. O acordo inclui a contratação de muitos dos 70 empregados da companhia e a maior parte do dinheiro será usada para recomprar a participação dos investidores (incluindo Greylock Ventures e Dragoneer) por 1,5x o valuation em que investiram. A Inflection já tinha levantado 1,3 bilhões de dólares, dos quais a Microsoft foi a principal investidora.
Dois motivos são apontados para o movimento. Em primeiro lugar, acredita-se que a Microsoft queria diminuir sua dependência da OpenAI, ainda que tenha investido mais de 13 bilhões na cia. Em segundo lugar, o formato do deal visou diminuir o escrutínio dos órgãos reguladores.
Amazon + Adept
A Amazon também costurou um deal semelhante com a Adept que já levantou mais de US$ 415 milhões com um valuation de aproximadamente US$ 1 bilhão.
A Amazon contratou cerca de dois terços dos seus funcionários e também está licenciando a tecnologia da startup por um valor estimado em cerca de US$ 440 milhões, suficiente apenas para devolver os investimentos dos fundos e deixar US$ 25 milhões na companhia para cobrir o cash burn do time remanescente.
Agora vamos entender porque isso está acontecendo.
Acqui-hire é sobre pessoas. O ativo é o conhecimento
Um acqui-hire é de fato, uma contratação de pessoas. A fusão das palavras tem origem na motivação estratégica por trás do negócio. Mas em termos práticos, frequentemente isso não envolve a aquisição da pessoa jurídica da qual este time faz parte.
Isso não quer dizer que esta pessoa jurídica não seja recompensada por isso de alguma forma, como por exemplo através de uma indenização. Isso pode ser especialmente importante se há sócios que não estão sendo contratados neste movimento, como investidores.
Mas o importante aqui é que essa motivação estratégica é justificada pelo valor do conhecimento que está sendo adquirido. Afinal, conhecimento é basicamente tudo o que está sendo comprado neste caso. Se há um software ou outro tipo de propriedade intelectual onde está concentrada a maior parte do valor, dificilmente um formato de acqui-hire deveria fazer sentido.
No caso da primeira aquisição do Nubank, a Plataformatec, estudamos um típico acqui-hire. Estamos falando da aquisição de uma empresa de consultoria, da qual o principal ativo são os cérebros.
Pode acontecer de uma empresa que desenvolve produto, tecnologia, ter seu time incorporado através de um acqui-hire e seu produto (e negócio) serem "descartados" pelo comprador? Sim, pode, mas este é o motivo pelo qual coloquei este tipo de deal no início da régua de valor. Ou seja, se isso está acontecendo com uma empresa cujo principal ativo não é o conhecimento do time, boa parte do valor em potencial de um M&A está sendo deixado de lado.
Mas quando o assunto é inteligência artificial, a situação é mais complexa do que isso.
Em IA o ativo é conhecimento + dados
A batalha da inteligência artificial está bem aquecida. Desde que a OpenAI lançou o ChatGPT, todo o mundo da tecnologia se movimenta rapidamente para não ficar para trás. E isso envolve muitos investimentos de capital de risco e aquisições.
Entre o hype e a promessa de entrega de valor real, se posicionar como uma potencia em IA tem sido encarado como o que pode tornar qualquer empresa a vencedora do seu setor, justificando aquisições como a da Hyperplane pelo Nubank.
No cerne da competição estão as big techs (Google, Amazon, Microsoft, Apple, Meta) e as desafiantes (OpenAI, Anthropic, Perplexity, X.AI), startups com muito funding para bater de frente com os gigantes.
Todos os meses assistimos a lançamentos de novos modelos, cuja performance é incluída em gráficos comparativos, fazendo um esforço hercúleo parecer só mais um pontinho colorido em um fundo branco. No entanto todo o investimento nesta competição não se traduz em um grande e duradouro valor em propriedade intelectual.
Isso porque se uma destas empresas estagnar em seu ritmo de desenvolvimento, seus modelos vão ficar para trás e seu valor vai cair vertiginosamente.
Por isso o valor maior não está no modelo em si, mas na capacidade de continuar desenvolvendo tecnologia capaz de disputar a corrida, cabeça por cabeça. E para isso o que é preciso é: dados e cérebros.
Todos os novos algoritmos de IA generativas surgiram a partir do "Transformer" criado dentro do Google, mas que não recebeu tanta atenção da empresa quanto fora dela. Isso é, até dois anos atrás. Os cérebros que carregaram esse conhecimento para fora da empresa foram capazes de evoluir os algoritmos e o resto é história.
Mas por mais que esse transformador que deu orgiem à IA generativa seja novo, ele ainda é parte da disciplina de aprendizado de máquina, o que significa que para treiná-los é necessário uma boa quantidade e qualidade de dados de treinamento.
Quando falamos de dados, já sabe quem está por cima na história. Ah não? Então experimente falar sobre qualquer outra coisa para a pessoa do seu lado. Tipo "estou precisando comprar um tênis novo". Depois abra o seu celular e veja se não vai começar a aparecer anúncio de tênis para você.
Brincadeiras à parte, as Big Techs tem acesso a quantidades massivas de dados. A história está mostrando que tudo o que elas precisam para se manter na competição da IA são os melhores cérebros.
Por isso para elas estes movimentos de acqui-hire ficaram populares. Resolvem o problema, cair no escrutínio dos reguladores. Ou pelo menos assim eles pensavam.
Mas como isso faz sentido para a outra parte?
O alinhamento de interesses
Diz o ditado: "quando um não quer, dois não brigam". Então para um movimento como estes entre Google e Character.ai, Amazon e Adept, Microsoft e Inflection realmente acontecer, tem que fazer sentido para a outra parte. Isso quer dizer que precisa fazer sentido para os founders e para os demais detentores do seu capital social, como os seus investidores.
Por que faz sentido para o founder
Quando Noam e Daniel deixaram o Google e resolveram empreender, eles provavelmente estavam em busca de algumas coisas. Do lado mais idealista, o fundador busca deixar sua marca no mundo. Fazer algo relevante que altere o curso da história, mesmo que um pouquinho.
Como executivos no Google de antes, eles não sentiam que estavam conseguindo. Por isso precisaram sair e fazer as coisas acontecerem. O mesmo aconteceu com os times fundadores de empresas como OpenAI e o resultado é que as Bigtechs agora estão dispostas a investir massivamente no tema. Bem diferente de quando deixaram a empresa, agora eles podem encontrar na nave mãe a intenção e o poder de transformação que foram exercitar fora dela.
A outra coisa que leva empreendedores a deixar uma corporação e fundar empresas é a busca por uma recompensa financeira desproporcional a um salário de executivo. Deals como esses materializam esse ganho financeiro marcando as duas caixinhas de uma vez.
Mas tem também o lado do que eles podem evitar com um movimento como esse. Quando a competição vira jogo de gente grande, como estamos vendo agora, o risco aumenta consideravelmente. Isso significa que um passo em falso pode fazer a startup quebrar e todo o valor construído ser jogado fora junto com o esforço despendido para isso. Saber reconhecer as janelas de oportunidade e pular dentro delas em um cenário como este, é uma arte.
Por que faz sentido para o investidor
Pode-se argumentar que o investidor normalmente tem ambições menos altruístas no que diz respeito a mudar o mundo. Mas no que tange os aspectos financeiros, as duas oportunidades são verdade também para investidores. Um acqui-hire em um cenário tão dinâmico que tornou os cérebros o maior ativo da empresa em que investiram pode ser a melhor oportunidade de saída a que terão acesso.
E o risco de tudo quando empresas trilhonárias tornaram a IA sua prioridade número um também é bastante real para o investidor. Mas na prática, como ele vai colocar a mão nesse dinheiro? Aí é que entra a porção "estranha" destes negócios. Os contratos de licenciamento muito possivelmente são apenas justificativas para viabilizar um exit também para os investidores. Ou alguém aqui vê o Google revendendo uma namorada virtual AI-powered da Character.ai?
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