Sua aspiração é sua?
Minhas startups nasceram sob uma ambição gigante. Em ambos os casos queria impactar milhões de pessoas no mundo todo. E não demorou muito para que isso se traduzisse em um objetivo bilhonário. A empresa valeria bilhões e/ou eu me tornaria bilhonhário se atingisse meus objetivos.
Um alvo de 10 dígitos pode parecer algo enorme e cabeludo, mas a simplicidade desse objetivo torna algumas coisas fáceis. Ele se torna a métrica de sucesso e tudo o que leva ao crescimento da empresa, ou mais especificamente do seu valuation parece apontar para a direção certa.
Enquanto uma grande ambição pode empurrar o empreendedor para frente, ela pode ser perigosa e levar para um lugar desmotivador, e potencialmente fatal na trajetória da sua startup. Perder a motivação porque sua aspiração inicial parece impossível no meio da jornada não vai ser ruim apenas para a empresa, pode tornar a sua vida no mínimo bem chata.
Por isso, antes que seja tarde, vale a pena se perguntar:
A sua aspiração é realmente sua?
Em retrospecto eu enxergo que a vontade de fazer a diferença no mundo, medida por pelo impacto positivo para milhões de pessoas, era realmente minha. Mas a história do bilhão veio de referências de empreendedores com quem pouco compartilho. No mundo do empreendedorismo, as histórias mais repetidas são as de um sucesso tão retumbante que se torna anedótico. São as lendas dos dropouts como Steve Jobs, Mark Zuckerberg e Bill Gates, que encontraram sucesso muito cedo. Por muito tempo minha inspiração era ser alguém, como eles. Isso que siginificava ser impactante. Não mais.
Hoje quando eu me pergunto se eu gostaria de ser o Mark Zuckerberg, imediatamente me vem à cabeça a sua imagem na corte se desculpando às famílias que tiveram perdas irreparáveis (como filhos que chegaram ao ponto do suicídio pelos estragos à saúde mental causados pelas redes sociais).
Como então introjetaram na minha mente que esse objetivo de empreender rumo ao bilhão?
Não é só o fato de as histórias serem anedóticas. É toda a indústria que foi construída em torno de histórias assim. Sua empresa só é uma startup se ela estiver crescendo muito, para continuar crescendo sempre muito ela vai precisar de capital de risco e ela só será interessante para um capitalista de risco se for um fund returner. Ou seja, sucesso é ter uma saída bilhonária.
Você quer ter sucesso, então você precisa de capital de risco e precisa mirar no bilhão. Certo?
Errado!
O fechamento da minha segunda startup, a Pannacotta, se deu em um momento peculiar. Foi um turbilhão de emoções ligadas a empreender na crista da onda da Inteligência Artificial, que mais lembravam as de tomar caldo continuamente em meio a um maremoto. A cada novo lançamento da OpenAI dizia-se que milhares de startups teriam morrido prematuras. Não sei se é o caso, mas aquele jogo multibilhonário de gigantes deixou claro que essa aspiração serve a poucos.
Enquanto essa batalha insana da inteligência artificial continua acessando apirações bilhonárias que empurrarão alguns poucos founders a esse destino e milhares de outros a parar muito aquém disso, algo mais aconteceu. Para a maioria dos founders esse foi justamente o momento em que o jogo de capital ficou mais difícil. O downturn depois da festa do capital infinito de 2021. A regra agora era ser lucrativo e continuar crescendo.
Mas pera, se o jogo mudou e dá para crescer sendo lucrativo, será que a aspiração estava certa?
Vi muitos founders falando sobre empreender de uma outra forma. Contemplando até o que alguns podem chamar em tom levemente depreciativo de lifestyle business. Vi founders optando por caminhos diferentes e que fazem muito mais sentido para eles que viver uma aspiração que não é deles. Por seguir buscando um sonho que não lhes pertence.
O ambiente influencia suas aspirações
Isso é muito comum. Seus amigos, colegas e até inimigos podem te convidar, inspirar ou desafiar a buscar determinadas coisas. Desde coisas extremamente negativas, como vícios comportamentos compulsivos a metas de saúde física como sair do sedentarismo e correr uma maratona, passando por escolher fazer uma faculdade de direito porque seu pai queria muito. Afinal, quem escolhe fazer faculdade de direito se não for por influência do ambiente?
Na maioria das vezes uma boa aspiração é melhor que aspiração nenhuma, mesmo que não seja sua. Mas para uma jornada longa e dura como a de empreender é preciso uma conexão profunda com aquilo que está buscando. Recomendo que questione isso com frequência e o quanto antes, pois pode chegar em um momento em que a sua liberdade de escolha seja comprometida.
O VC track rumo ao bilhão é o melhor caminho para você?
Para explorar um exemplo bem prático, vamos aprofundar um pouco nessa questão. Buscar o crescimento acelerado por capital de risco rumo à saída de bilhões pode ser seu sonho autêntico e te fazer levantar da cama todos os dias. Mas se não for, você pode ser ver em uma situação em que se comprometeu até o ponto de tornar seu próprio sonho inviável.
Como? Se a idéia era construir um império de bilhões, mas no caminho você foi diluindo a participação no seu negócio até o ponto onde seu percentual tem um dígito só, há uma grade chance de frustração.
Se todas as condições, como preferência na liquidação e o valor da sua saída, jogarem a seu favor, ainda assim um negócio bilhonário não vai se converter em um founder bilhonário.
Se você ainda não optou por esse caminho, a oportunidade de uma saída bem mais cedo, mas com uma participação bem mais relevante na empresa pode deixar seu futuro mais leve e rico.
Ou, dependendo da sua aspiração, uma saída pode nem fazer sentido. Pode ser que o seu grande barato seja tocar o dia-a-dia da empresa, com liberdade total. Se ela for lucrativa e você não tiver investidores, essa perspectiva pode ser deliciosa também financeiramente.
Faça seu assessment
Chega de exemplos e provocações. A idéia não é te convencer de que você precisa mudar de caminho, nem se arrepender de ter seguido uma trilha que não era a que gostaria. O objetivo é provocar sua intencionalidade.
Um framework simples para ajudar seu assessment pode ser resumido em 3 perguntas:
Se eu chegasse onde minha aspiração me leva, ia querer continuar fazendo a mesma coisa ou largar tudo e mudar completamente de vida?
A vida que eu projeto para mim buscando essa aspiração conversa com a vida que eu gostaria de ter nos próximos anos? A jornada faz sentido pelos próximos anos?
Se eu tivesse a opção de sair daqui sem machucar ninguém (ex.: vender a empresa agora, ou mesmo fechar sem deixar ninguém decepcionado), gostaria de continuar buscando o que estou buscando?
Toda escolha traz deveres e responsabilidades. A liberdade não está em não ter que responder a ninguém, nem ter compromissos. A liberdade está em poder escolher fazer o que você já está fazendo, porque tem escolha.
Que artigo f*d@! Muito legal as reflexões trazidas por você, Fernando. Obrigado.