Intuit Comprando a entrada no Brasil
A história da aquisição da ZeroPaper pelo seu fundador André Macedo
"Eu disse à TOTVS Ventures que nossa relação estava se desgastando, que isso poderia destruir a empresa, e que não sobraria valor para eles e nem para nós, se eles impedissem esse negócio de acontecer."
Esse foi um dos pontos altos da minha conversa com André Macedo, co-fundador e ex-CEO da ZeroPaper, que foi adquirida pela americana Intuit, gigante de software de gestão financeira para o mercado de pequenas e médias empresas.
O jeito beligerante de André descrevendo a cena me fez querer ter sido uma mosca para presenciá-la. Eu não representava mais a TOTVS Ventures naquele momento, embora caísse sobre meus ombros a responsabilidade pelo início dessa relação. Como diretor de Corporate Venture Capital da empresa, conheci a ZeroPaper e negociei um investimento nela logo após a conclusão do seu ciclo na aceleradora carioca 21212 em 2013.
No ano seguinte, no entanto, eu mesmo me lancei na jornada empreendedora, deixando para trás a corporação e o André, sozinho para se relacionar com ela. Junto com a minha energia empreendora, levei muito da cabeça "founder friendly" de investidor, empurrando a big tech tech brasileira de volta à sua essência de compradora. A TOTVS cresceu através de fusões e aquisições para se tornar a gigante que é hoje. Sua intimidade com o tema se refletia na relação com a startup. O fato de a participação adquirida na ZP ser minoritária não mudava muito o sentimento de quem gosta mesmo é de adquirir.
A cena descrita por André era o ápice da negociação da aquisição da ZeroPaper pela Intuit, contra a qual a TOTVS naturalmente se opunha. Mas para entender a profundidade dramática daquele momento, precisamos voltar ao início da história.
Origem da ZeroPaper
André, Arley e Carlos, são três empreendedores de Brasília que largaram a vida de funcionários do segmento financeiro para empreender. Passaram na seleção da aceleradora mais quente do momento, a carioca 21212, e se lançaram em uma investigação profunda junto ao seu público alvo (micro-empreendedores) em busca de uma dor aguda para a qual pudessem criar um remédio.
Logo descobriram que a gestão financeira das empresas desse porte, quando existente, era feita numa planilha, ou mesmo em um caderninho. Um produto para resolver essa dor teria que ser simples, mas muito simples. Mais simples e fácil de usar que a própria planilha.
Assim nasceu a essência da ZeroPaper, a simplicidade extrema que passou a atrair milhares de usuários em uma velocidade cada vez maior.
Chega o Corporate Venture
Os fundadores deixaram o Planalto Central e num ônibus entrado na Cidade Maravilhosa, onde viviam há meses só com o dinheiro de "sobrevivência" oferecido pela 21212 (e um pequeno aporte de um investidor anjo).
Até que, sua espetacular apresentação no Demo Day da aceleradora, e o claro fit com a tese de sinergias com a TOTVS, atraíram minha atenção como investidor. A recém nascida TOTVS Ventures chegou engatinhando no evento, mas saiu acompanhada da startup que viraria o primeiro exit de sucesso da "21".
[Tese] Acesso ao Mercado
Chamo atenção aqui para a tese de investimento da TOTVS. Eu disse anteriormente que o venture capital têm cartas de teses bem diferentes das de fusões e aquisições, pois seu modelo de negócio é de investir em casamentos temporários e fazer a investida se valorizar rapidamente. Bem, no Corporate Venture (modalidade onde o investidor de capital de risco é uma corporação ou ligado intimamente a uma), as coisas se misturam mais. Frequentemente existe uma tese de sinergia com a empresa mãe e eventualmente até alguma integração via parceria.
Para nós, além de estar próximo de uma startup simples e ágil, a tese de investimento na ZeroPaper incluía testar uma possível canalização dos usuários que se "graduassem" da solução simples da empresa e precisassem de um software mais robusto, que poderia ser oferecido pela TOTVS. Se isso funcionasse bem, a ZeroPaper natualmente seria um alvo nosso de aquisição.
O conflito do CVC
André me contou que a experiência com a TOTVS o deixou cético sobre CVCs. Muitos capitalistas de risco "tradicionais" compartilham deste ceticismo ou até preconceito. Por quê? Justamente porque esse emaranhado neurológico de cérebro de investidor e de comprador cria conflitos de interesses. Se eu, investidor, tenho a intenção de comprar a empresa depois, não é o meu maior interesse que ela se valorize o máximo possível, senão "eu mesmo" vou pagar mais caro depois.
Na TOTVS Ventures fizemos esforço de blindar ao limite estes racionais. Mas se não houvesse tese de sinergia com as investidas, não haveria justificativa para a existência de um Corporate Venture. Faria mais sentido investir o mesmo dinheiro no melhor Venture Capital do mercado.
Por outro lado, muitas vezes estas mesmas sinergias tornam um CVC a melhor opção de investidor para uma startup. Um bom exemplo é o aporte de R$ 125 milhões recebido em 2023 pela +Mu da Btomorrow Ventures, braço de CVC (Corporate Venture Capital) da BAT global. O acesso à rede de distribuição da BAT no Brasil a que a startup ganhou acesso torna esse um investidor interessantíssimo, que agrega um valor diferenciado em relação a qualquer investidor independente.
Se você é um empreendedor e tem a opção de captar dinheiro de um CVC você deve:
Negociar bem termos que protejam sua independência; e/ou
Preparar um caminho para uma aquisição futura em termos favoráveis a você
No final deste artigo vamos aprofundar sobre como fazer isso. Esse é um conteúdo para assinantes premium, aproveite e começe seu periodo de avaliação para entender como a assinatura premium pode te ajudar na sua jornada.
A oportunidade de aquisição
Em meio a uma chuva de novos usuários gratuitos e tentando com força e dificuldade canalizar essa enxurrada para o plano pago da ZeroPaper, André recebeu um contato pelo Linkedin. Era Lindsey Argalas, executiva da Intuit, interessada em conversar para conhecer mais da empresa.
André estava desiludido sobre o potencial de sinergia com a TOTVS e a mensagem veio a calhar. Logo agendou um primeiro papo com a gringa. A oportunidade era óbvia. Para entrar no Brasil faria muito sentido para a Intuit adquirir a ZeroPaper.
[Tese] Expansão Geográfica
A tese é clara Arnaldo! Se uma empresa de outra região (nesse caso de outro país) quer entrar na sua área, pode ser mais fácil comprar sua empresa do que começar uma operação toda do zero. É claro que isso depende de uma série de fatores. A complexidade operacional do comprador e da região onde está querendo entrar são dois deles. Como o Brasil é um país "molezinha" de entender para os gringos, se você tem uma operação brazuca já tem meio caminho andado para se tornar alvo de aquisição.
A complexidade fiscal, cultural, operacional, entre outras, torna nosso país muito específico. Quando estamos falando de um sistema de gestão, essas diferenças trazem uma carga pesada. Não só o software em si precisa ser adequado, como o cliente brasileiro já começa desconfiado de que o software estrangeiro não vai atender às suas necessidades.
O plano da Intuit era sim introduzir o seu software (o Quickbooks) no mercado Brasileiro, mas para superar essas barreiras ela precisava apelar para uma segunda carta de tese.
[Tese] Acesso a Mercado - Parte 2 - A revanche
"O segredo do sucesso é tentar entender qual é o motivo pelo qual ele está querendo comprar você. Só que eles nunca falam." André Macedo
A Lindsey tinha duas cartas de tese na mão. Além da expansão geográfica, a mesma tese de acesso de mercado que eu enxergava para a TOTVS funcionaria para a Intuit. De acordo com André, na época 70% dos usuários que deixavam a ZeroPaper faziam isso por sentirem falta de funcionalidades mais avançadas como controle de estoques, produtos, emissão de notas fiscais etc.
Me lembro que mais de uma vez eu tentei dissuadir o André da idéia de desenvolver uma funcionalidade de emissão de Notas. A complexidade fiscal poderia acabar com a essência simples da ZeroPaper, que acabou tornando ela uma peça que casaria perfeitamente com essa segunda carta de tese.
Outros possíveis alvos do canhão da Intuit, como a Conta Azul, tinham uma sobreposição funcional com o QuickBooks que rasgariam essa carta. Porque um cliente que já passara pela via crucix de implantar um ERP, mesmo que um simplesinho, mudaria de solução para um novo entrante chique do Vale do Silício? Essa resposta era mais óbvia para os usuários fugitivos da ZP!
"Nunca seremos um ERP" mesmo sem saber, foi essa a frase do André que estampou na ZeroPaper um alvo na testa, fazendo dela um objeto de desejo de aquisição, que é o que estamos trabalhando para criar por aqui.
A negociação
André me contou de uma viagem que fez a São Paulo, só para ouvir uma proposta que classificou como indecorosa pela TOTVS para a compra da ZeroPaper. O empreendedor ficou extremamente irritado (para não ser deselegante em um canal "tão sério").
A ZeroPaper não estava buscando uma aquisição.
"O empreendedor quer fazer a empresa para a perpetuidade. Não pensa em vender." André Macedo
O plano A da startup era captar um round de VC e estava muito bem encaminhada em conversas com a Kaszek, um dos fundos top da América Latina. Mas depois de 3 meses da primeira mensagem da Lindsey a conversa já havia evoluído para um acordo de confidencialidade.
Qual é a primeira coisa que você deve fazer quando tem uma proposta de aquisição? É ter uma segunda.
A competição é a principal ferramenta para criação de valor na perspectiva do comprador. E nesse caso vale uma proposta de um Venture Capital. Tipicamente os fundos oferecem valuations mais generosos, para um estágio pouco maduro, do que um comprador estratégico. Mas o carimbo de preço de um fundo pode ser usado na negociação para apreciar a oferta de um comprador.
Então além de uma oferta "indecorosa" da TOTVS, uma boa proposta de um VC era tudo o que a ZeroPaper precisava para arrancar uma proposta da Intuit. Quer dizer, tudo não. Aqui chegamos de volta ao começo. Quando a TOTVS soube do interesse da Intuit, começou a fazer um jogo duro, não apenas se opondo, ao mesmo tempo demonstrando ceticismo e tentando impedir este negócio.
Foi aqui que André assumiu um tom mais hostil sobre a continuidade da parceria e o que poderia sobrar no negócio. Isso não seria interessante para a TOTVS, mas foi um movimento arriscado. Em meio a explosões de lava da sua erupção vulcânica, conseguiu arrancar da corporação um compromisso de assinar um Term Sheet, o que segundo ele a big tech não acreditava que ele conseguiria.
André usou o viés cognitivo da escassez para isso. Deu à Intuit 24 horas para voltar com um Term Sheet (um contrato de intenção de compra). E conseguiu!
Na sessão premium vamos nos aprofundar nos elementos e valores envolvidos nessa negociação, mas antes vamos terminar essa história logo!
Final Feliz?
Sim, deu certo. Não só a aquisição se concretizou, mas as teses também se comprovaram.
A combinação das cartas da Intuit economizaram tempo e dinheiro de estabelecer uma operação no Brasil, e também deram acesso a executivos-empreendedores experientes no mercado em que atuavam. Em especial no assunto de aquisição de clientes a compradora tinha experts à disposição.
Aos poucos foram adequando o QuickBooks para o mercado brasileiro enquanto captavam novos usuários através do canal de entrada que adquiriram.
Até quando?
O que aconteceu depois, foi um foco excessivo no produto pelo qual a Intuit tinha uma "afetividade paternal". O produto ZeroPaper foi deixado de lado, apesar de ser o grande imã de novos clientes adquirindo milhares de novos usuários por dia. Todo o roadmap foi destinado à adequação do QuickBooks que precisava de muita localização para fazer o nosso arroz com feijão.
Em parte isso conversa profundamente com a estratégia para a aquisição. Por outro lado reflete um pouco de um racional conhecido como "Not Invented Here". Ou seja, um pré-conceito quanto àquilo que não foi criado em casa.
Quando terminou o prazo contratual para a permanência dos fundadores, eles deixaram a empresa e foram substituídos por uma liderança estrangeira que tornou ainda mais difícil essa adequação ao Brasil.
Mas a história termina mesmo com a decisão da Intuit de sair do Brasil, fechando a operação como um todo. Uma pena!
[Conteúdo Premium] As lições milhonárias dessa história toda
Nesta seção vamos extrair o néctar de valor dessa história. Vamos entender:
O jogo de cartas da ZeroPaper - como André usou seus relacionamentos para criar uma oportunidade de saída milhonária.
Os valores em jogo - Valuation, múltiplos… Quanto sua empresa pode valer em um negócio como este?
Termos pelos quais você deve lutar na sua negociação com um CVC
O Jogo de Cartas da ZeroPaper
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