E a Fusão?
"E fusão? Porque você não está falando disso?" Alguns founders tem me questionado quando discutimos os temas de "Estratégia de Saída" e da "Most Valuable Product Journey". O nome "Estratégia de Saída" faz pensar automaticamente em entregar a empresa, colocar o dinheiro no bolso e tirar um sabático na praia.
Por mais que esse seja o sonho de alguns founders, não é de todos e esse não é o único caminho. Você provavelmente se vê apenas começando a sua jornada empreendedora e não pensa em exit agora. Ou então tem o desejo de ser o grande consolidador, comprando seus concorrentes. Ótimo!
Esses são dois caminhos possíveis. Mas o que vamos discutir aqui é um outro: o de juntar forças e continuar no jogo. Dependendo do mercado em que você atua esse pode ser o caminho mais viável não só para o sucesso, mas também para a sobrevivência.
Então se prepara que hoje vamos falar sobre fusões!
Definindo fusão
Existe uma diferença entre a definição formal de uma fusão e o que quem me pergunta entende por fusão.
A definição formal
Formalmente, uma fusão é uma transação entre empresas de porte similar, onde se forma uma empresa da combinação de duas ou mais outras. Ou seja, juridicamente se forma uma nova entidade e, no olhar do público, uma nova marca. Pense em Itaú+Unibanco como um exemplo clássico. Mas considerando todos os aspectos tributários, jurídicos, societários e mais um monte de complicadores envolvidos em carimbar uma transação efetivamente como fusão, esse é um evento raríssimo, em especial no mundo das startups. E acho que não é de algo tão específico que estamos falando, né? Então na prática a teoria é outra.
A definição que importa: a sua
No meu entendimento, o que você (e os founders que me perguntaram) gostaria de saber sobre fusão tem muito a ver com o sentimento inicial de continuar construindo. Ou seja, de que a transação não estabelece um prazo definido para a empresa ir para um lado e você para o outro. Parece que até agora eu não estava falando disso, não é?
Então estamos falando de você continuar dono da empresa com que "juntou as escovas de dentes", ainda que metade do que você era dono da empresa que fundou (ou menos). Mas e se for bem pouquinho dono? Conta como fusão? Muda o sentimento não é?
Não é preto no branco. Dá para dizer que é um espectro. Na verdade uma matriz. E como é sobre emoções, seria praticamente um mapa. O mapa do coração do founder em relação à transação.
Quer saber, vamos desenhar esse mapa!
O mapa emocional das fusões vs aquisições
Ele seria mais ou menos assim:
Traduzindo nosso mapa: se a transação tem um alto percentual de troca de ações e nada ou muito pouco em dinheiro, é mais provável que o sentimento do founder seja de que sua empresa se fundiu, e não de que foi adquirida. Mas isso pode não ser verdade se as empresa forem de portes muito diferentes.
A troca de ações ao invés de outros mecanismos de retenção tornam o founder dono de parte da empresa resultante por prazo indefinido, seja ela uma nova companhia ou uma das previamente existentes. Por outro lado se sua empresa se junta a uma muito maior numa transação de troca de ações, seu sentimento de dono vai ser mais parecido com o de um alto executivo, do que aquela sensação de segurar o voltante que tinha com a sua "cria".
Por mais inexata que seja esta representação, a perspectiva da motivação e da intenção é a mais importante para determinar o que vem depois do deal. E o comportamento dos sócios é crucial para determinar o sucesso de uma fusão.
Como as intenções modelam uma fusão
Um deal em um formato de troca de ações, em especial entre empresas de um porte muito parecido, deve ter origem na intenção de manter os times fundadores juntos para o longo prazo. Se não for essa a intenção, o risco para o negócio resultante podem ser grandes. Em uma eventual falta de sintonia dos founders pode resultar em parte deles pulando fora da companhia e mantendo uma participação relevante. Esse é um cenário que atrapalha levantar capital e deixa os fundadores remanescentes com dificuldades de comandar a empresa.
Um dos grandes desafios do mundo do M&A é fazer com que contrato reflita as reais intenções das pessoas envolvidas. Isso é especialmente desafiador no caso de fusões, justamente por essa perspectiva definitiva de casamento.
O Exemplo da Movile
Um dos melhores exemplos de fusão bem sucedida entre startups no Brasil é o da Movile, que hoje é mais conhecida como a "dona do iFood". Ela nasceu da fusão de concorrentes da era do SMS de portes similares: Compera, NTime e Movile. Os fundadores destas empresas se tornaram sócios da companhia resultante (e permanecem até hoje). Escolheram a marca Movile, pelos seus atributos, não pelo porte. Quando se fundiram as empresas faturavam poucos milhões de reais e acabaram por formar um titã do ecossistema brasileiro.
Do ponto de vista da intenção, os fundadores queriam unir forças para conquistar algo muito maior, ao invés de combaterem um ao outro. A estratégia deu muito certo, porque o deal de troca de ações refletia seus objetivos comuns.
Pouco importa se a empresa resultante foi nova ou se foi aproveitado o CNPJ de uma das anteriores. Também não é relevante o fato de não ter sido criada uma nova marca. O importante é que a intenção era criar um gigante nacional, juntos. E foi isso o que aconteceu.
A importância da construção de valor para fusões
Tudo o que discutimos sobre a construção do seu produto mais valioso, vale igualmente para este conceito de fusão. Ou seja, as teses, as empresas para cada tese, as pessoas destas empresas e o relacionamento a ser construído para que o resultado seja um negócio. Se esse processo for conduzido com maestria, a percepção de valor da sua empresa cresce. E em uma fusão, a relação entre o valor das empresas vai determinar o seu percentual da empresa resultante. Portanto a jornada de construção de uma percepção de valor maior é igualmente importante.
Um outro aspecto é que as oportunidades de deals que você vai encontrar explorando essa trilha são variadas. Algumas teses podem levar a deals com sentimento de fusão, outros para aquisições. Os passos são os mesmos, ainda que o destino seja diferente.
Perder a oportunidade de uma fusão pode até ser mortal para sua empresa
Voltando ao exemplo da Movile. Os concorrentes estavam em um mercado relativamente pulverizado. As barreiras de entrada não eram extremamente altas. Eles poderiam ficar guerrilhando entre eles por ano e se manter pequenos. No entanto, quando vários deles se juntaram e formam um player maior, o jogo ficou bem mais difícil para os pequenos que se mantiveram isolados.
Isso pode acontecer no seu mercado. E nesse caso, você não quer ser pego(a) de surpresa.
"A sorte favorece a mente preparada."
Louis Pasteur
Você pode até liderar este movimento. Você pode virar o consolidador, mas isso é assunto para outro post.
Conclusão
À medida que exploramos o universo das fusões, fica claro que a linha entre fusão e aquisição é mais uma questão de percepção e intenção do que de definições rígidas. O sucesso nestas operações transcende a lógica puramente comercial e é definido muito mais pelos relacionamentos e emoções envolvidos. Para os empreendedores que pensam em longo prazo, o caminho de juntar forças para dominar mercados é normalmente menos arriscado do que o de seguir isolado.
Para continuar construindo seu 'Produto Mais Valioso', abra a cabeça para isso. O mundo se move rápido: posicionar-se como líder ou consolidador em seu mercado é uma questão de preparação.
Fique atento para nossas próximas discussões, onde mergulharemos mais a fundo em como fazer isso tudo acontecer.