Mal me tornei diretor de M&A na TOTVS e logo me encontrei em uma sala fria e formal de um escritório de advocacia, prestes a fechar uma transação crucial. Tratava-se da compra de um concorrente direto de Goiás, que também oferecia soluções ERP. Mas, será que era apenas uma expansão geográfica? Qual era realmente o sentido dessa aquisição?
Logo descobri que o diferencial deste concorrente estava em seu domínio excepcional sobre o segmento de distribuidores, um setor em que não éramos particularmente fortes. Essa experiência marcou minha primeira imersão nas teses de aquisição e me introduziu à estratégia que mais aplicaria nos meses seguintes: a Expansão Horizontal.
Cada processo de fusão ou aquisição é fundamentado em pelo menos uma tese. A tese define o racional, explicando e dando sentido ao movimento do ponto de vista estratégico. Aqui no 'Estratégia de Saída', vamos nos aprofundar em diversas teses.
Neste artigo, exploraremos a tese de Expansão Horizontal, uma estratégia em que acumulei significativa experiência do lado do comprador. Como ex-diretor de M&A da TOTVS, uma empresa de software focada em pequenas e médias empresas e organizada há muitos anos em verticais ou segmentos (como Educação, Manufatura, Construção e Projetos, Financeiro e Varejo), essa carta se tornou de meu uso recorrente no jogo das fusões e aquisições.
O que é Expansão Horizontal?
Esta estratégia consite em orientar a oferta de software de forma especializada para melhor atender cada um destes segmentos. Na cabeça da área de M&A, a expansão horizontal consistia em abrir novos segmentos ou ainda reforçar outros em que não éramos tão relevantes.
Um dos grandes competidores da TOTVS naquele momento, a Linx, era focada no que para a TOTVS representava apenas o segmento de varejo. Já pare a concorrente isso era visto de forma mais fragmentada e especializada ainda: concessionárias, restaurantes, materiais de construção etc. A própria Linx se utilizou de aquisições para estabelecer diversas das suas verticais de software (seu segmentos).
Competição é um direcionador estratégico importante para qualquer corporação. E um bom competidor mexe com os brios do conselho e dos principais executivos. Com a TOTVS não seria diferente e reforçar nosso segmento de varejo através de aquisições se tornou uma das prioridades durante a minha gestão.
Exemplos práticos
Na prática, o que isso significa? Fizemos três aquisições relevantes dentro desta estratégia naquele período:
1- A PC Sistemas, uma das líderes do segmento de distribuidores, por R$ 80 milhões (mais até R$ 15 milhões em earn out, ou seja, atrelado ao cumprimento de metas) em Janeiro de 2013.
2- A RMS, empresa top of mind no segmento de supermercados, por R$ 37,4 milhões (mais até R$ 5 milhões em earn out) em Julho de 2013.
3- A Virtual Age líder no segmento de varejo textil, por R$ 50 milhões (mais até 25,1 milhões em earn out).
Um outro exemplo desta estratégia até mais expressivo foi a aquisição da Bematech, mas ela envolve diversos outros elementos que eu vou deixar para abordar em teses futuras.
Mas isso é mesmo expansão horizontal?
Estes exemplos podem sucitar a pergunta: "mas se a TOTVS já atuava no segmento de varejo, isso é uma expansão horizontal?"
A nossa solução para o varejo era menos especializada que a de cada um destes players adquiridos. Portanto sim, estávamos entrando em um subsegmento especializado a cada uma destas aquisições. E quando você senta em uma concorrência para aquisição de um ERP e o seu competidor tem maior aderência funcional às necessidades do seu cliente porque ele é especializado no seu subsegmento, você sente na pele o racional desta tese de aquisição.
Exemplos Internacionais
Um ótimo exemplo mais ou menos no mesmo segmento é a aquisição da Netsuite pela Oracle, então um gigante do mundo de Software B2B por US$ 9,3 bilhões em 2016. A Netsuite oferecia CRM, uma categoria diferente de software em que a Oracle não era um concorrente expressivo, entrando portanto com este movimento em um novo mercado ou vertical.
A SAP (ERP) comprou a SuccessFactors (software de RH) em 2011 por US$ 3,4 bilhões entrando em um outro segmento em que não era relevante.
O tamanho dos mercados nos EUA são expressivamente maiores que no Brasil, e portanto as empresas e as aquisições também costumam ser expressivamente maiores.
Expansão Horizontal vs Diversificação de Produtos
Outra das cartas de teses que vamos estudar se chama Diversificação de Produtos. Qual é a diferença entre entrar em um novo mercado/segmento ou diversificar produtos. O segmento ou mercado é definido por quem compra o produto. No caso da diversificação podem ser adquiridos produtos diferentes para vender para os mesmos compradores. Ou seja a tese de diversificação de produtos pode ter associada uma cartada de sinergia pelo cross sell de produtos. No caso da expansão horizontal, como estamos falando de clientes diferentes, essa sinergia é mais improvável.
Os exemplos da Netsuite + Oracle e SAP + Success Factors podem até gerar a confusão: "mas isso não é apenas diversificação de produtos?" Por isso vamos usar eles mesmo para esclarecer. Dentro de uma empresa, as áreas que compram CRM e HRTech são diferentes da área que compra ERP. Embora o cliente (a empresa) compradora possa ser a mesma, típicamente o CRM é definido como um mercado diferente, em parte por isso.
Racional Estratégico da Expansão Horizontal
Se não é o cross-sell, qual é então o racional estratégico de uma expansão horizontal? Essa é uma estratégia de diversificação de mercados, que pode incluir as seguintes vantagens:
Diversificação de Receitas
A dimunição da dependência de uma linha de receitas passa para a abertura de outras linhas. Para uma empresa que já é organizada em verticais (ou que é focada em um segmento apenas) a expansão para outras é uma forma de diversificação. Segmentos diferentes podem demandar modelos de precificação diferentes, ter sazonalidades diferentes entre outros motivadores pelos quais essa diversificação pode ser muito positiva.
Diversificação de Riscos de Mercado
Um dos motivadores para a diversificação pode estar numa percepção de risco. A alta dependência de um ou de um conjunto de clientes embute um risco associado a este segmento. Se há alguma conjuntura macro-econômica que prejudique o setor, a empresa pode ser significativamente impactada.
Expandir sua área de atuação para outros segmentos diversifica os riscos. Assim como as sazonalidades, a expansão pode ser pensada para contrapor estes riscos. Segmentos complementares em que um vai melhor quando o outro vai pior trazem uma estabilidade "anti-frágil" e podem justificar movimentos de aquisição.
Crescimento Acelerado
Na TOTVS, quando começamos a focar em reforçar nossa vertical de varejo, o crescimento do setor era um dos atrativos. Na época a empresa tinha uma dependência muito grande do setor industrial, que chamávamos de Manufatura. Este segmento vinha sofrendo com um crescimento lento havia anos, enquanto o varejo estava surfando um momento de rápida expansão.
Isso criava uma dinâmica onde a grande concorrente, Linx, muito mais focada em varejo, crescia mais rápido, em grande parte puxada pelo crescimento do próprio setor. E como crescimento é um dos fatores de avaliação das empresas na bolsa de valores, a Linx saía na vantagem em relação à TOTVS.
Crescimento, portanto foi um dos motivadores da nossa estratégia de expansão horizontal.
Alavancagem Competitiva
Quando a competição no setor está muito acirrada, entrar em outro menos competitivo através de uma aquisição ou fusão pode ser um grande alívio estratégico. Na maior parte das vezes os motivadores deste movimento são os concorrentes. Mas uma concentração elevada de participação de mercado por uma única empresa também pode justificar uma expansão horizontal inorgânica (por fusão ou aquisição). Uma das razões pode ser a regulação. Empresas com forte domínio de um mercado (como a Microsoft em sistemas operacionais para computadores ou o iFood em delivery de comida) podem sofrer restrições em seu segmento original. No caso de expansão, as aquisições podem e devem ser barradas por órgãos de defesa da competição como o CADE.
Em casos como estes expandir horizontalmente para um segmento lateral pode ser uma forma de escapar desse escrutínio.
Como minha empresa pode ser pode ter fit com uma expansão horizontal?
A questão de milhões é: como você pode tornar a sua empresa um alvo para a expansão horizontal de outra?
Foco vertical
A primeira resposta é focar em um segmento. Quanto mais focado, mais fácil ser complementar. Se estiver em um único segmento, sua empresa pode ser complementar para todas as que não atuam neste mesmo. Conforme você se espalha por dois ou mais segmentos, passa a competir com todas as empresas que autam neles e deixa de ser complementar a elas, tendo portanto menos apelo do ponto de vista da estratégia de expansão horizontal.
Foco é uma boa estratégia, em especial para startups. Começar em um nicho de mercado pequeno é uma recomendação de muitos investidores para se diferenciar nos estágios iniciais.
Todos os exemplos de empresas que citei que foram nossos alvos de aquisição na TOTVS eram muito focados em seus segmentos e por isso mesmo tinham um posicionamento e performance comercial invejáveis. Ou melhor, desejáveis, que é o adjetivo que queremos desenvolver para a sua empresa.
Especialização complementar
Mesmo que você tenha grandes competidores no seu segmento de atuação, é possível ser mais especializado que eles? Se sim, você ainda pode ser complementar. Retomando nossos exemplos, inicialmente encaramos varejo como segmento, mas quando passamos a olhar empresas mais focadas, encontramos alvos de aquisição especializados em supermercados, concessionárias, varejo textil, restaurantes etc. Possíveis objetos de desejo para uma expansão horizontal que traz uma complementariedade para uma empresa que atue com menor especialização em um macro-segmento.
Implantable Idea Pitch
O IIP (Implantable Idea Pitch) é um conceito que apresento aos empreendedores que mentoro. Consiste em uma frase simples que vai implantar uma idéia diferente na cabeça de um potencial comprador.
Como o personagem de Leonardo Di Caprio diz no filme "A Origem", uma idéia é o parasita mais resiliente. Uma vez implantada em um cérebro é praticamente impossível de erradicar. O IIP é o veículo de implantação da idéia nos cérebros dos possíveis compradores da sua empresa.
O IIP ideal deve ser específico para você, sua empresa e seu interlocutor, mas como direcionamento macro, o IIP pode ter uma forma parecida com:
Continue a leitura com um teste grátis de 7 dias
Assine Estratégia de Saída para continuar lendo esta publicação e obtenha 7 dias de acesso gratuito aos arquivos completos de publicações.