Um dos sinais de que a negociação de um M&A ficou séria, é que preço se tornou um assunto. Seria muito simples se comprar (e vender) uma empresa fosse como comprar uma caixa de leite. O preço é determinado, decide-se pagar ou não e leva-se o produto para casa.
Mas a realidade é que determinar um preço justo para uma empresa, para os dois lados, é bem mais complicado que isso. Em parte porque o valor desta empresa para o comprador, bem, depende. Depende de como essa empresa vai performar depois da aquisição. Quanto de sinergias efetivamente serão geradas? Que custos serão de fato reduzidos? Qual é o real potencial de cross-selling?
Estas questões fazem com que a definição do preço passe pela negociação de um mecanismo denominado Earn-Out. Isto é: uma parcela do preço que será paga se o fundador/os donos atuais do negócio, de fato merecerem. Um exemplo: a empresa é comprada por 50 milhões, mais até 20 milhões adicionais se atingir uma receita recorrente anual de 10 milhões em 3 anos.
O nome é uma tradução literal (de merecer) e que frequentemente faz sentido, pois quem vai trabalhar para fazer as metas do earn-out acontecerem é um dos sócios (frequentemente fundador) do negócio. Mas como até isso “depende”, esse é um assunto que dá pano para manga. Por isso decidi tornar este assunto mais uma série de artigos, para podermos ir fundo sem te entediar.
Por que existe o Earn Out?
Resolver esse gap de expectativas do comprador e do vendedor sobre quanto vale a empresa é uma missão para um de dois mecanismos: uma bola de cristal ou uma cláusula de earn-out. Se fosse possível saber o futuro, não seria necessário negociar nenhum valor variável. Mas na ausência dessa possibilidade, vamos concordar que é melhor ter um valor adicional, mesmo que seja só se o resultado positivo que todos esperam se concretizar. Vamos entender isso na perspectiva das duas partes.
Perspectiva do comprador
Vamos chamar de João, o comprador da sua empresa. Ele tem algumas expectativas. A primeira dela é de pagar um preço justo. Se ele compra a empresa e depois ela desmonta, o rapaz não vai ficar bem na foto. Então, por mais que aquela planilha maravilhosa de business case mostra um fluxo de caixa descontado que indica que a empresa vale 100 feijões mágicos se ela continuar crescendo no mesmo ritmo, João vai preferir só pagar os 100 feijões se de fato ela crescer até aquela nuvem que o Excel mostra na coluna “AK”.
Além disso, ele normalmente não espera assumir o comando para entregar esse crescimento sozinho. Ele espera que você e pelo menos as pessoas chave do seu time estejam lá para isso. Logo, na perspectiva do comprador, o earn-out é uma ferramenta para cobrir um gap de um valuation que só vai se concretizar se algumas premissas permanecerem verdadeias, mas também para manter o time que é capaz de fazer isso acontecer engajado.
Perspectiva do vendedor
Você sabe que a sua empresa pode crescer até chegar nas nuvens. Você sabe que é lá onde está a “galinha dos ovos de ouro”. Na verdade o sonho original era seguir crescendo sozinho para ficar com os ovos inteiramente para você. Mas já que João está interessado nisso também, pode fazer sentido juntar forças em direção ao sonho grande.
Só que você não quer vender pelo que ela vale hoje. Você quer que o potencial de chegar nas nuvens seja levado em consideração, certo? Bem, o comprador até pode estar disposto a pagar por isso, mas só se isso realmente acontecer. E como você confia tanto nisso que estava fazendo isso sem o comprador, vai se dispor a aceitar. Ou não vai?
Dica de ouro
A energia que você coloca na negociação do earn-out vai comunicar muito sobre a sua crença e sede nas metas em discussão. Aqui você deve tomar cuidado com alguns extremos. Se você perceber que as metas estão altas demais, considerar inalcancáveis, e o vendedor perceber que você não acredita no plano, isso pode colocar o deal em risco. Mas isso pode acontecer tanto se você negociar muito duramente para reduzir as metas, quanto se você desistir de negociar e demonstrar que fez isso porque não acredita.
Se você não negocia o earn-out por achar que está fácil, pode estar deixando dinheiro na mesa, pois você poderia propor metas mais altas para uma camada de pagamento adicional.
Então a dica é: negocie pelo que você acredita.
Se achar que o deal está em risco e você depende dele para a sobrevivência da empresa (been there, done that), vale a pena aceitar metas impossíveis em que você não acredita mesmo assim. Mas se tiver alternativas de compradores, sua vida será bem melhor nos próximos anos se estiver trabalhando com motivação para entregar uma meta em que acredita.
Conclusão
O earn-out surge da tensão natural entre o valor que o vendedor enxerga em seu negócio e as garantias que o comprador busca antes de fazer um pagamento integral. Não é apenas uma questão de preço, mas uma ferramenta que serve a múltiplos propósitos: bridge de valuation, retenção de talentos e alinhamento de incentivos.
Mas talvez a dica mais valiosa que você possa levar deste primeiro artigo seja: a energia que você dedica à negociação do earn-out comunica muito sobre sua confiança no futuro do negócio. Não aceite metas impossíveis apenas para fechar um deal, nem deixe de negociar metas mais ambiciosas se realmente acredita no potencial da empresa.
Na Parte II desta série, vamos dissecar a anatomia de um earn-out e entender como diferentes métricas e estruturas podem impactar seu sucesso pós-aquisição. Por enquanto, reflita: que nível de confiança você tem nas projeções que estão sendo discutidas na sua mesa de negociação?