Se você já teve a experiência de comprar um móvel na famosa rede Sueca IKEA, provavelmente já sentiu na pele o que vou descrever neste artigo. Quando montamos nós mesmos um móvel projetado pela marca, desenvolvemos um apego por ele. Eu sou uma prova viva disso. Quando morei na Alemanha por um ano, comprei uma poltrona POÄNG. Todos os produtos da IKEA tem esses nomes nórdicos que parecem significar alguma coisa, mas não significam nada.
A poltrona, barata, mas extremamente confortável me atendeu tão bem que tive vontade de trazer ela para o Brasil na minha volta. Pois desmontei a dita cuja e trouxe na mala. Ela ficou muitos anos na minha casa, até a minha esposa me dar um ultimato para substituir ela por uma mais nova, quando então meus pais a herdaram. Advinha onde eu sento quando visito eles?
Esse senso de propriedade ampliado pela participação na montagem do móvel não é exclusividade minha. É compartilhado por todos os consumidores da rede e foi estudado por cientistas comportamentais como um viés cognitivo e apelidado de "Efeito IKEA".
Mas o que isso tem a ver com fusões e aquisições? Muito mais do que parece no primeiro olhar. Este é o provavelmente meu assunto preferido em ciência comportamental e por isso dediquei um artigo inteiro ao tema. Vou dar um pequeno spoiler antes de nos aprofundarmos:
1- Fundadores devem estar atentos ao seu próprio viés de atribuição de valor à empresa que construiu
2- O comprador deve participar na construção do deal e da visão de futuro das empresas juntas para ser positivamente enviesado pelo efeito IKEA
A Origem do Efeito IKEA
O efeito IKEA foi identificado e nomeado em 2011 pelos pesquisadores Michael I. Norton, Daniel Mochon e Dan Ariely (esse aí da foto batendo um papo comigo e com a minha sócia Luisa) em seu estudo "The IKEA effect: When labor leads to love".
Eles observaram uma tendencia das pessoas estudadas a pagar 63% mais por um móvel montado por elas do que por um móvel comprado já montado, mesmo que o resultado final seja imperfeito. Este fenômeno não se limita apenas a móveis, mas se estende a várias áreas da vida, desde culinária até projetos profissionais, revelando uma tendência humana profunda de atribuir maior valor ao que ajudamos a construir.
Um outro efeito similar que também entra em ação aqui é o endownment effect (efeito dotação), que faz com que indivíduos valorizem mais um item que tem em sua posse do que o mesmo item quando não é de sua propriedade.
Como founder você é sucetivel aos dois. Você construiu e tem propriedade sobre uma boa parte da companhia. O primeiro passo para usar o efeito IKEA em um deal de M&A é ter a consciência da sua influência em você mesmo.
Aplicações de Negócios
Além da IKEA, várias outras empresas já experimentavam e se beneficiavam do efeito antes de ele receber este nome. Aquelas lojas onde você monta o próprio ursinho de pelúcia, por exemplo, apelam para este efeito. A Nike experimentou o Nike By You e a Lego é um capítulo à parte, mas tem também o Lego Ideas, ambas iniciativas em que o consumidor concebe o produto e com isso ganha apego por eles. Isso sem falar em uma industria inteira de DYI (do it yourself) que enche cozinhas, oficinas e garagens de equipamentos e apetrechos pelo mundo afora.
E se você pensa que isso não se aplica para o mundo de software e tecnologia, vou receitar uma dose de um remedinho para você. Assista à série do Netflix "Som Na Caixa" (The Playlist) sobre o Spotify. Em um determinado momento da história da startup de streaming de música, o CEO, Daniel Ek insistia que o serviço deveria ser gratis para o consumidor. Mas isso criava um problema negocial e jurídico. As gravadoras precisavam receber uma fatia da receita da empresa, para ser viável ela precisava de um modelo de receita.
A advogada Petra Hansson então adota uma estratégia para convencer todo o time de gestão. Ela leva um conjunto de missangas e fios para montar colares coloridos. Pede que cada um monte seu colar. Depois que estão apegados a eles ela pega uma tesoura e ameaça cortá-los. Os executivos resistem. Criaram apego aos colares. Ela faz um paralelo com as playlists do Spotify e cria o modelo freemium onde o usuário tem o serviço grátis, mas precisa pagar para manter as suas playlists personalizadas. Se isso aconteceu de verdade, não importa, é uma belíssima demonstração do efeito IKEA.
É útil entender as aplicações do efeito nos negócios. Aposto que sua cabeça já está borbulhando com idéias de como dar um poder para o seu cliente para personalizar ou construir o seu produto com você para aumentar o Lock-In. Ótimo, é exatamente isso que vamos fazer nos relacionamentos que podem levar a um M&A.
Aplicando o efeito na construção de relacionamentos
Como dar as ferramentas para o seu interlocutor construir alguma coisa com você? Primeiro vamos pensar em deixar espaço para ele construir. Começe se desapegando de um futuro da empresa onde você tem as rédeas nas suas mãos. Isso te dará a liberdade psicológica que você precisa para criar esse espaço.
Estamos falando aqui 60% de atitude e 40% de técnica. O mais importante é você ficar atento à sua atitude, sua linguagem verbal e especialmente corporal. Se perceber com uma postura possessiva é o primeiro passo para mudá-la. Isso se aplica a todas as fases, mas vamos discutir cada uma delas.
I- Fase de Flerte e Parceria
Antes que haja um deal na mesa você está construindo uma relação e uma parceria, formal ou informal. Que parte disso o seu interlocutor pode construir?
1- Como vocês vão se relacionar? Terão uma agenda recorrente? Terão algum ritual? Algum evento onde se encontraram da primeira vez e que podem se encontrar recorrentemente?
2- Como as empresas podem se aproximar? Existe uma possibilidade de parceria? O que a outra parte tem a ganhar? Qual valor ela tem a extrair?
Deixe espaço para ouvir as respostas, para que a outra parte as proponha. Você está construindo senso de propriedade.
Tem um passo a mais que pode ser interessante: faça o interlocutor calçar o seu sapato. Não apenas deixe-o falar sobre o que é importante para ele. Faça-o enxergar o que é importante para você. Sentar na sua cadeira de fundador.
II - Negociação do Deal
Aqui tem milhas de espaço para construção do deal. Não é para você deixar todas as decisões na mão da outra parte, mas também não chegue com todas as condições rigidamente definidas. Estrategicamente, identifique uma série de fatores que não são realmente importantes para você, mas que tenham relevância para ouvir a contra-parte sobre como ele gostaria de conceber essa parte do deal. Estamos falando aqui de condições (cash vs ações), timing (qual é o prazo do earn out), comunicação externa (como seria um press release) e interna (como fazemos a comunicação formal para os funcionários de ambas as empresas) entre outros exemplos.
Um outro grande espaço de construção é a visão do que será a operação combinada. Quais serão os papéis de cada um? Como as operações se integrarão? Como gerar sinergias? Todas essas perguntas tem espaço para construção conjunta e para se aproveitar do efeito IKEA.
III - Pós Deal
A vida depois do deal é um tema a parte. Não quero me aprofundar muito nele agora, mas aqui você passa a ser parte do mesmo time do seu comprador ou da empresa com quem se fundiu. Nesse papel, sempre que você alimentar o senso de propriedade da outra parte, sem perder poder efetivamente, você vai tornar a sua vida mais fácil.
Dicas práticas
Vamos para a prática. Que ferramentas efetivamente você pode usar para fazer a outra parte se sentir montando esse Lego com você?
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