Temos falado muito sobre a construção de relacionamentos externos, como parte do caminho para um M&A. Mas frequentemente em processos de fusão e aquisição (ou até para viabilizá-los) é essencial gerenciar seus relacionamentos "internos". Aqui estão inclusas as relações com funcionários, clientes e investidores. São temas abrangentes então vamos precisar abordar um de cada vez. Hoje falaremos sobre a relação com investidores.
Vamos discutir:
Expectativas do investidor vs Perfis de investidores
Impacto de mecanismos contratuais como Liquidation Preference
Como lidar com cada um deles (Premium)
Por que você tem investidores
Se você tem investidores isso provavelmente é explicado por uma combinação de motivos. O primeiro é que você em algum momento da jornada precisava de capital, ou para iniciar o negócio ou para alavancar ele, aumentar a sua velocidade.
O segundo é que alguém acreditou em você e na sua empresa, mas em especial na capacidade dela de crescer e se valorizar. Ou seja, esse investimento foi feito com um determinado valor de referência, com a confiança de que este valor se multiplicaria.
Não tem muito mais que isso. Mas esse breve prólogo ajuda a explicar a expectativa dos seus investidores, que pode ser impactante para a sua estratégia de saída.
O que seus investidores esperam
Dada a contextualização acima, seus investidores esperam primariamente retorno sobre o investimento. Eles esperam que o valor que investiram seja devolvido para eles multiplicado por algum fator (idealmente maior que 1). Quanto? Depende do perfil deste investidor.
Anjos
Investidores anjos normalmente entram cedo, investem cheques relativamente pequenos comparados a capitalistas de risco e não pagam valuations altíssimos. Existem exceções, é claro, mas esse é o padrão. O anjo também é tipicamente uma pessoa física. Ou seja, ele está investindo seu próprio dinheiro que ganhou como empreendedor ou executivo. A decisão é muito baseada na confiança nos empreendedores e muito frequentemente no relacionamento. Nas minhas startups sempre iniciei a captação com anjos a partir da minha rede de relacionamentos. É a melhor forma de começar. Então existe uma confiança em você e no seu projeto, mas carregada pelo viés de um relacionamento pessoal, ou pelo menos da recomendação de alguém que te conhece bem.
Minha experiência mostrou que há uma enorme diferença entre anjos que são ou já foram founders, e quem só teve uma carreira como executivo de sucesso. Os fundadores viveram a dinâmica do tudo ou nada da vida empreendedora e são compreensivos com isso. Eles tem plena noção de que o investimento pode virar pó.
Já os anjos que seguiram uma trilha de carreira executiva apenas, passaram a vida transformando um bom trabalho em dinheiro líquido e certo. É cognitivamente mais difícil para eles absorver o risco de perder o investimento como um todo. Ao mesmo tempo multiplicar o valor de um investimento por três pode ser um resultado muito satisfatório para eles.
De forma agregada, anjos tem uma expectativa menor de retorno. Anjos founders podem esperar retornos bem maiores, mas também estão bem mais abertos ao risco de perderem tudo e devem te apoiar incondicionalmente em cenários como estes.
Em comum, podemos dizer que para todos os anjos, qualquer retorno é melhor que retorno nenhum (pois estamos falando do dinheiro deles na pessoa física), então em uma boa oportunidade de exit, eles devem te apoiar. O mesmo não podemos dizer dos capitalistas de risco.
Capitalistas de Risco
O mundo do capital de risco tem suas próprias leis. A mais famosa dela é a chamada de Power Law (Lei da Potência). Ela é a regra de pareto "on steroids" e indica que uma fração do portfolio de empresas investidas trará um retorno completamente desproporcional em relação às outras. Assim em um fundo de 100 milhões uma startup precisa ser vendida por bilhões para "retornar o fundo". Ou seja essa startup vai compensar todo o dinheiro investido em todas as startups do fundo.
Por outro lado, se o fundo não tiver uma ou duas startups como esta, mesmo tendo muitas startups muito boas com saídas de milhões, ele não vai entregar o retorno esperado pelo investidor.
Como regra do dedão, a expectativa do VC é que a sua startup multiplique por 100 o valuation em que ele investiu inicialmente. Esse número pode ser menor quando falamos de fundos "later stage". Ou seja, um fundo que investe em uma startup com um valuation de 5 bilhões não pode esperar que ela tenha um exit de 500 bilhões. Isso seria irreal demais. Neste caso o número está mais próximo de 10x. Por outro lado estes fundos investem em menos empresas e com um risco menor, pois já se provaram com anos de estrada.
Tudo isso para dizer que se você aceitou receber investimento de capital de risco, mesmo que essa expectativa não tenha sido alinhada com você explicitamente, você concordou em entrar nessa jornada do jogo grande, da saída de bilhões.
Isso quer dizer que o fundo vai tentar bloquear um exit de milhões? Não necessariamente, mas também não faz parte do trabalho dele incentivar isso. Em minhas conversas com capitalistas de risco sobre este tema o que tenho aprendido é que eles dividem seu portfolio em 3:
1- O primeiro é o grupo das startups que não deram certo. A abordagem para estas é assumir a perda e eventualmente ajudar o founder a assumir também e seguir para a próxima.
2- O segundo é o grupo das que estão dando certo e podem se tornar "fund returners". Se você está neste grupo, pode esperar que o VC tente te dissuadir da idéia de um exit cedo demais por milhões. Isso pode ser transformador para você, mas para ele pode ser a perda da oportunidade de retornar o fundo.
3- O terceiro é o das startups que estão no meio do caminho. Elas certamente não serão fund returners, mas também não precisam ser "custo afundado". Se você está neste grupo, pode esperar até uma forcinha para uma saída de milhões.
Isso também é refletido em mecanismos contratuais.
Mecanismos contratuais de alinhamento de expectativas
O contrato é um documento que tenta colocar em linguagem jurídica as intenções de ambas as partes no momento em que ele foi assinado. Quando estamos falando de um contrato de investimento, isso não é diferente.
Ele pode ter várias formas, cores e cheiros, mas tem alguns aspectos principais que são mais impactantes para fusões e aquisições.
Valuation Cap
O valuation cap (no caso de mútuos conversíveis, SAFE e similares) ou simplesmente valuation, se for um contrato (de equity) em que o investidor já entra no cap table da empresa, define a percepção do valor da empresa no momento do investimento. Pode-se alegar que no caso do cap é uma aposta em um valor futuro, mas em todo caso, para ter retorno o investidor precisa que a empresa se valorize acima deste Cap.
Ele garante que, se a empresa conseguir passar deste valor, o investidor terá retorno. É contra-intuitivo pensar que cap é um limite, mas que precisa ser superado. Um exemplo numérico que ajuda a entender:
"Um anjo investe 50 mil através de um SAFE com um valuation Cap de 5 milhões. Isso significa que se a startup receber um round com um valor maior que esse, seu investimento será convertido considerando 5 milhões como valuation máximo (o que lhe daria uma participação de 1%). Se a empresa for vendida por 10 milhões antes da conversão, no mesmo momento ele converte com valuation de 5 (1%) e vende por 10 milhões (ganha 100 mil)."
Ou seja, se a empresa for vendida acima do cap ele ganha dinheiro, se ela for vendida abaixo pode perder ou ficar no "elas por elas".
Isso quer dizer que qualquer investidor vai ficar insatisfeito com um M&A com um valuation menor do que o do seu investimento. Por isso para este cenário ele ainda pode ter mais algumas proteções.
Liquidation Preference
Como fundador você é o último da fila na prioridade de receber a grana de um M&A. Como assim? Seu investidor tipicamente está protegido por uma cláusula de preferência na liquidação. Ela define que o seu investidor tem preferência em receber o valor investido (no mínimo) em relação a você receber qualquer coisa.
Tenho ouvido essa preocupação de muitos fundadores que captaram com valuations elevados em momentos favoráveis ao fundraising e agora tem um problema se não conseguirem um valor tão alto no exit.
Digamos que ao todo os investidores da sua startup aportaram 50 milhões. Se a empresa for vendida por 50 milhões ou menos as clausulas de preferência na liquidação essencialmente farão com que você saia do deal sem nada! Isso porque a preferência de receber dinheiro para no mínimo cubrir o investimento é deles.
Triste, mas verdade. Mas o cenário completo é ainda um pouco mais complexo.
Senioridade das Tranches/Series
Existe uma hierarquia, a que se refere como senioridade, entre os investidores que entraram em momentos (rounds ou tranches) diferentes. Tipicamente quem entra por último tem uma preferência maior na saída. Isso porque, se uma startup está evoluindo e crescendo, o último round deverá ser maior e com um valuation também maior. Logo este investidor exige uma proteção maior também.
Como exemplo, uma startup que captou dois rounds (digamos um Seed e um Série A) o primeiro de 5 milhões e o segundo de 15 milhões. O Série A tem uma senioridade maior que o Seed, portanto se a empresa fosse vendida por 16 milhões os 15 milhões dos investidores do Série A deveriam ser retornados primeiro, potencialmente deixando 1 milhão para os investidores do Seed e zero para você.
Outros
Tem diversas outras cláusulas em contratos de investimentos que podem impactar o seu M&A, como drag along (a capacidade de vender a sua participação e forçar os demais a vender nas mesmas condições), tag along (a capacidade de acompanhar as condições oferecidas a um outro sócio que esteja vendendo sua participação), right of first refusal (direito de fazer uma primeira proposta caso a empresa vá ser adquirida) entre outras.
Embora conhecer estes conceitos possa ser importante para os fundadores, não cabe aqui entrarmos no detalhe de todos eles e isso não vai mudar a conduta que teremos para o M&A se as mesmas já estiverem assinadas.
Como os mecanismos impactam o seu M&A
Todos estes mecanismos impactam seu M&A de diversas formas. A mensagem mais clara é que se você captar muito dinheiro com valuations muito altos e depois não conseguir vender a empresa por algo próximo destes valores pode sair sem nada dessa jornada empreendedora.
Por isso o melhor que você pode fazer é ter clareza sobre elas e muita consciência na negociação. O apoio de um bom advogado com experiência em investimentos de capital de risco também é crucial. Esse investimento pode se pagar múltiplas vezes no futuro.
Dependendo do cenário de diluição e tag/drag along pode ser inclusive impossível para você vender a empresa sem um claro alinhamento com todos os seus investidores. E alinhamento não se constrói só com contratos, mas também com relacionamento. Vamos entender como você pode usar seu relacionamento com eles para te tirar de situações extremamente complexas que podem vir a acontecer na sua jornada de fusões e aquisições.
Como lidar com seus investidores para um M&A
Há três passos principais na gestão do seu relacionamento com investidores para seu caminho de saída.
1- Alinhar expectativas
O primeiro exercício que precisamos fazer para encontrar um lugar de convergência das intenções é o de entendê-las. Você deve compreender qual era a expectativa do investidor quando tomou a decisão de entrar no negócio e se ela mudou ao longo do tempo.
Na visão do VC sobre as empresas do portfolio que mencionei anteriormente, por exemplo, pode ser que inicialmente a expectativa fosse de que a empresa viraria um unicórnio, mas atualmente ela tenha mudado. Neste cenário a venda da empresa neste momento pode ser indiferente ou até favorável para o investidor.
Não faça esse exercício sozinho apenas. Você pode até se colocar no sapato do seu investidor, mas não há nada como perguntar a ele sobre suas expectativas para os rumos do negócio e suas opiniões. Além de ter uma leitura melhor, usando perguntas abertas você o envolve na construção dos possíveis caminhos criando ownership sobre os mesmos (leia o que escrevi sobre o Efeito IKEA).
2- Entender o jogo
O segundo exercício é um de teoria dos jogos. Ou seja, você pode entender os possíveis cenários e como cada um dos jogadores é impactado.
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